sexta-feira, 15 de abril de 2016

Cidadania
Sílvio GalloI; Renata Lima AspisII

“Sabemos que o conceito de cidadania está longe de ser unívoco. Dependendo da sociedade, entende-se cidadania de uma maneira ou de outra. Por exemplo, numa sociedade voltada para o mercado, o cidadão é, antes de qualquer coisa, o consumidor, sendo os direitos do cidadão os direitos do consumidor. Recorramos, então, a seu sentido originário, uma vez que foram os antigos gregos que criaram o conceito de cidadania para caracterizar aqueles que habitavam a mesma pólis.

Para os antigos gregos, a cidadania significava a pertença a uma comunidade. Aristóteles, em sua Política, definia os seres humanos como aqueles que não apenas ''vivem juntos'', como outros animais, mas que ''bem vivem juntos'', que compartilham a vida, uma vez que são dotados de palavra (logos) e podem comunicar-se. De forma bastante poética, afirmava que, vivendo em comunidade, os cidadãos são aqueles que ''se alimentam com o mesmo pão e se aquecem com o mesmo fogo''. Se convivemos porque somos dotados de fala, a palavra é o fundamento da política. Mas não são todos que têm direito à palavra (alguns são alogoi, não portadores do logos); ela é reservada aos cidadãos. E não são todos os que residem em uma cidade que são cidadãos, mas aqueles que têm condições de sê-lo. Acompanhemos a argumentação do filósofo:

Falemos aqui apenas dos cidadãos de nascimento, e não dos naturalizados. Não é a residência que constitui o cidadão: os estrangeiros e os escravos não são ''cidadãos'', mas sim ''habitantes''. (Aristóteles, 1991, p. 35).

E, um pouco adiante, lemos:

É cidadão aquele que, no país em que reside, é admitido na jurisdição e na deliberação. É a universalidade deste tipo de gente, com riqueza suficiente para viver de modo independente, que constitui a Cidade ou o Estado. (Aristóteles, 1991, p. 37).

Portanto, a cidadania não está destinada a todos, mas apenas àqueles que possuem meios suficientes para uma vida livre, independente. Aristóteles argumenta que esses meios são a terra para produzir, a casa para habitar, os animais e os escravos como instrumentos de produção. Logo, os cidadãos são os portadores de certas riquezas. São eles que possuem a fala e convivem em liberdade. Daí que, para os gregos, eram duas as características básicas da cidadania: a isegoria, isto é, o direito à palavra pública; e a isonomia, ou o direito de viver sob as mesmas leis.”


segunda-feira, 4 de abril de 2016

FILOSOFIA E OPINIÃO
            Qual é sua opinião sobre política? O que você pensa sobre a liberdade? Para você, o que é uma amizade verdadeira?                                                                                                                                            Perguntas como essas costumam surgir em rodas de conversa entre amigos. Para respondê-las, você reflete, cita exemplos, faz comparações... Mas será que está utilizando o pensamento filosófico?                                                                                                                                       Veja o que diz sobre isso o filósofo francês Gilles Deleuze: “É da opinião que vem a desgraça dos homens”. Isso porque a opinião é um pensamento subjetivo, uma ideia vaga sobre a realidade, que não tem fundamentação e na maioria das vezes nem pode ser explicada. É comum, por exemplo, alguém dizer que é contra ou a favor de determinada situação sem um motivo concreto, talvez por uma reflexão apressada, por superstição ou crença absorvida sem ponderação. “É uma questão de opinião”, justifica a pessoa. Fica claro, então, que ao emitir uma opinião você não está pensando filosoficamente.                                                                                                                                      É muito fácil manipular as opiniões das pessoas não dispostas à reflexão. Os meios de comunicação fabricam ideias e desejos por meio da propaganda e de sua grade de programação. Os ditos formadores de opinião exercem grande influência sobre o modo de pensar da sociedade e podem mudar as opiniões alheias. São as personalidades do esporte, da televisão, do teatro, os líderes religiosos e também os professores. A indústria cultural – expressão que designa a produção da cultura segundo os padrões e os interesses do capitalismo, para consumo de massa – esforça-se por definir o que todos querem ler, os filmes que preferem, as músicas da moda. As respostas já vêm prontas, como nos livros de autoajuda.                                                                                                                A filosofia, diferentemente, é uma prática de elaboração própria de ideias. Ela também parte da opinião, mas a recusa como verdade e vai além da opinião. Busca uma reflexão mais sólida e fundamentada, por meio da qual o ser humano se realiza em sua capacidade racional. As ideias elaboradas dessa forma podem ser defendidas com argumentos consistentes. Isso não significa a posse de uma verdade única, pois a filosofia é sempre amor à sabedoria, isto é, uma busca da verdade e nunca sua posse definitiva.                   Não é difícil concluir que as pessoas que pensam por si mesmas, que não se acomodam ás ideias prontas e não aceitam viver no “piloto automático”, têm melhores condições de se tornar cidadãos mais atuantes, exercendo seus deveres e exigindo seus direitos na sociedade.                                                                                                                             A prática filosófica humaniza as pessoas, tornando-as mais livres para pensar de forma crítica e criativa.

                  GALLO, Silvio. Filosofia: experiência do pensamento: Volume único/1ed. SP: Scipione, 2014.Pp. 18-19

Atividade
1)    Em uma conversa de amigos, você se posiciona de acordo com sua reflexão sobre o assunto? Justifique sua resposta.
2)    Segundo o filósofo francês Gilles Deleuze: “É da opinião que vem a desgraça dos homens”.
Diante da citação acima de Deleuze, apresente uma justificativa contrária ou favorável ao pensamento do filósofo.
3)    Por que é mais fácil manipular as opiniões das pessoas não dispostas à reflexão?
4)    Qual a relação existente entre filosofia e opinião? De que forma acontece tal relação?
5)    Você exerce seus deveres e exige seus direitos na sociedade? Justifique sua resposta.
6)    Hoje, o Brasil, vem passando por problemas políticos e sociais, que nos levam a refletir sobre a atual situação do país. No entanto, percebe-se hoje, que as pessoas não estão pensando por si própria. Pois disseminam opiniões sem antes as questioná-las.
Em que sentido a prática filosófica pode humanizar as pessoas e torná-las livres para pensar de forma crítica e criativa?
Por que ética?

Por que ética? E o que é ética? Não poderemos nos contentar com uma representação qualquer ou indeterminada. Da mesma forma, pressupondo uma pré-compreensão completamente indeterminada, desde o início podemos nos perguntar: por que afinal devemos nos ocupar com a ética? Na filosofia, mas também nos curricula das escolas, a ética parece ser um fenômeno da moda. Entre os jovens intelectuais, antigamente havia interesse mais pelas assim chamadas teorias críticas da sociedade. Ao contrário disto, na ética supõe-se uma reflexão sobre valores reduzida ao individual e ao inter-humano. E tem-se que aqui contudo não seria impossível encontrar nada de obrigatório, a não ser remontando-se a tradições cristãs ou de outras religiões. É o ético, ou então, ao contrário, as relações de poder, que são determinantes na vida social? E estas não determinam, por sua vez, as representações éticas de um tempo? E se isto é assim, ao se pretender lidar diretamente com a ética e não a partir de uma perspectiva de crítica da ideologia, não representaria isto um retorno a uma ingenuidade hoje insustentável?
Por outro lado, não podemos desconsiderar que, tanto no âmbito das relações humanas quanto no político, constantemente julgamos de forma moral. No que diz respeito às relações humanas, basta observar que um grande espaço nas discussões entre amigos, na família ou no trabalho abrangem aqueles sentimentos que pressupõe juízos morais: rancor e indignação, sentimento de culpa e de vergonha. Também no domínio político julga-se moralmente de forma contínua, e valeria a pena considerar que aparência teria uma disputa política não conduzida pelo menos por categorias morais. O lugar de destaque que os conceitos de democracia e de direitos humanos assumiram nas discussões políticas atuais também é, mesmo que não exclusivamente, de caráter moral. A discussão sobre a justiça social, seja em âmbito nacional ou mundial, é também uma discussão moral. Quem rejeita a reivindicação de um certo conceito de justiça, quase nem o pode fazer sem contrapor-lhe um outro conceito de justiça. Em verdade as relações de poder de fato são determinantes, mas é digno de nota que elas necessitam do revestimento moral.
Por fim, existe uma série de discussões políticas relativas aos direitos de grupos particulares ou marginalizados, as quais devem ser vistas como questões puramente morais: a questão acerca de uma lei de imigração limitada ou ilimitada, a questão do asilo, os direitos dos estrangeiros, a questão sobre se e em que medida nos deve ser permitida ou proibida a eutanásia, e o aborto; os direitos dos deficientes; a questão de se também temos obrigações morais perante os animais, e quais. Acrescentam-se aqui as questões da ecologia e da nossa responsabilidade moral para com as gerações que nos sucederão. Uma nova dimensão moralmente desconcertante é a da tecnologia genética.
O complexo das questões acima mencionado diz respeito a estados de coisas que em parte são novos (por exemplo, a tecnologia genética), e em parte alcançaram, através do avanço tecnológico, um lugar de destaque até agora não existente (por exemplo, a responsabilidade para com as gerações futuras, e algumas questões da eutanásia). Outras já estavam desde antigamente presentes, mas encontram-se fortemente colocadas na consciência geral – e podemos nos perguntar por que - por exemplo, problemas das minorias, aborto, animais.
Não se encontra aqui pelo menos uma das razões pelas quais a ética novamente é tomada de forma importante? A maioria das éticas antigas – por exemplo, as kantianas – tinham em vista apenas aquelas normas que desempenhavam um papel na vida intersubjetiva de adultos contemporâneos e situados em uma proximidade espaço-temporal; e de repente sentimo-nos desorientados em confronto com, por exemplo, os problemas do aborto, da pobreza no mundo, das próximas gerações ou da tecnologia genética.
                                        UGHENDHAT, Ernest. Lições sobre ética. Petrópolis: vozes, 1996. P. 11-13.

Questões

1)    O autor refere-se ao grande espaço reservado aos temas éticos nas discussões com nossos amigos. Você poderia fazer uma lista desses temas? Em seguida, escolha um deles e posicione-se.
2)    O sentimento de indignação ou de vergonha indica que participamos de uma comunidade moral. Dê um exemplo e explique por quê.

3)    Qual é a relação entre política e ética? A partir dessa relação, destaque a questão da justiça como um dos temas centrais da ética.
Trabalhando com texto

Texto 1

O texto abaixo corresponde a um trecho de uma carta escrita pelo filósofo grego Aristóteles, na qual ele convida Themison, rei de uma cidade de Chipre, à prática da filosofia. Na carta, ele procura construir uma série de argumentos que justifiquem a escolha de dedicar-se à filosofia. No trecho a seguir, ele argumenta em torno da necessidade do filosofar.

Por que é preciso filosofar?

Todos admitirão que a sabedoria provém do estudo e da busca das coisas que a filosofia nos deu a capacidade [ de estudar ], de modo que, de uma maneira ou de outra, é preciso filosofar sem subterfúgios. [...]

Há casos em que, aceitamos todos os significados de uma palavra, é possível demolir a posição sustentada pelo adversário, fazendo a referência a cada significado. Por exemplo, suponhamos que alguém diga que não é preciso filosofar: pois “filosofar” tanto quer dizer ‘procurar se é preciso procurar ou não’, quanto ‘buscar a contemplação filosófica’, mostrando que essas duas atividades são próprias do homem, destruiremos por completo a posição defendida pelo adversário.

Além do mais, há ciências que produzem todas as comodidades da vida e outros que usam as primeiras, assim como há algumas que servem e outras que prescrevem: nestas últimas, na medida em que são mais aptas a dirigir, está o que é soberanamente bom. Daí – se só a ciência que tem a retidão do julgamento, que usa a razão e que contempla o bem em sua totalidade (isto é, filosofia) é capaz de usar todas as outras e de lhes dar prescrições conformes à natureza – ser preciso, de qualquer modo, filosofar, já que só a filosofia contém em si o julgamento correto e a sabedoria prescritiva infalível.

Aristóteles. Da geração e da corrupção, seguido de convite à filosofia. SP: Landy, 2011. P.150-151.
Questões sobre o texto
1- Segundo Aristóteles, por que é preciso filosofar?
2 - Cite duas razões para a prática da filosofia que aparecem no texto.

3 - Por que a filosofia é a ciência mais completa, segundo o autor do texto? 
A cidade justa


         Tendo em vista os três caracteres básicos, Platão acredita que habitam a cidade justa três classes sociais.

          As pessoas de caráter concupiscível seriam responsáveis pela produção, os artesãos e profissionais em geral. Viveram de forma absolutamente livre, como pede seu caráter. Aquelas que vivem de acordo com as emoções (os de caráter irascível) seriam os guerreiros, os guardiões da cidade, pois viveriam de acordo com sua coragem. Por fim, as pessoas de caráter racional seriam os administradores, responsáveis pelas atividades de gestão, pois seriam capazes de governar com justiça.

      Desse modo, cada classe contribuiria com as necessidades da comunidade e teria condições de viver de acordo com sua natureza. Uma cidade governada com justiça, que possibilita cada cidadão viver segundo suas inclinações e alcançar a felicidade: essa seria a cidade justa para Platão.

         Nela, aquele que age mais de acordo com sua própria natureza é qualificado virtuoso, uma característica que cada indivíduo possui e faz com que seja capaz de fazer o bem para si mesmo e para os outros. A virtude, para Platão, é o principal valor compartilhado pelos cidadãos da cidade justa, porque é aquilo que move suas ações. O político, por exemplo, que procede com razão, legitimando em observância às leis e gerindo os bens públicos de acordo com as necessidades da cidade, é um virtuoso.

         É possível que se entenda a virtude como um valor individual, o que, entretanto, é um equívoco. Para Platão, valores como felicidade, justiça e virtude são universais, isto é, valem para todos e em qualquer época e lugar. Sobre a virtude, o filósofo afirma já estar ela presente em nós desde o nascimento. Só assim, por exemplo, o cidadão saberá se orientar racionalmente na hora de refletir e escolher as melhores ações, que estejam de acordo com sua natureza, com a justiça e o bem comum da cidade e, consequentemente, com sua felicidade. Por isso, ela é o valor almejado por todos, que nunca perece.


GALLO, Silvio. Filosofia: experiência do pensamento: Volume único/1ed. SP: Scipione, 2014.P. 120.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Para que Filosofia?



A questão da utilidade da filosofia é tão antiga quanto estrutural. Pensamos que cada geração de professores deve estar preparada para responder a esta pergunta de modo sério e vigoroso: para que serve a filosofia?


Seja nos anos 70 do séc. XX, no Ministério da Educação em Brasília, seja no início do séc. V a.C., na ágora da antiga Atenas, a mesma questão é retomada obstinadamente, ou seja, a pretensão filosófica ao saber tem que legitimar sua inserção na cidade, perante os saberes técnicos e utilitários que predominam na mentalidade operante da construção material da vida comum, assim como da racionalidade eficaz da vida política e jurídica.

Retomamos o tema pelo viés socrático: a prática do filosofar vale não só pelo bem em si que ela significa, mas também pelos resultados que proporciona (República II). A filosofia é útil e sua utilidade decorre do seu efeito pedagógico e de sua força educadora, necessária para a humanização do ser humano, necessária para que se possa construir uma consciência autônoma, um estado de direito, em suma, uma cidade justa.

Não há nenhuma razão para perpetuarmos a imagem derivada de uma leitura rápida da Metafísica de Aristóteles, segundo a qual o filósofo seria um indivíduo totalmente desinteressado, que estaria acima das solicitações do interesse e do desejo humanos. Não devemos e nem precisamos contrapor filosofia e vida prática interessada. Na verdade, os antigos gregos nos ensinaram que a racionalidade é simultaneamente prática e teórica; e se a prática racional é o domínio dos fins, da busca e realização dos valores, não faz sentido idealizarmos de maneira abstrata e irrealista uma atividade tão decisivamente humana, como se ela fosse supérflua e inútil, ou seja, como se ela não tivesse conseqüências para a vida.

Para decidirmos da suposta inutilidade da filosofia é preciso que se estabeleça o que entendemos por “útil”. Se pensarmos num plano bastante elementar, do instrumento mecânico, que é útil exclusivamente pelo resultado imediato que proporciona (como usar um martelo para pregar um prego, por exemplo), podemos e devemos, com certeza, reconhecer a inutilidade da filosofia. Ela certamente não é um instrumento neutro, sem nenhum sentido ou interesse nele mesmo. Mas se elaborarmos um pouco mais e pensarmos numa perspectiva axiológica, de reflexão sobre os valores (éticos, estéticos, culturais, entre outros), devemos reconhecer a profunda utilidade da filosofia. Nessa perspectiva, a utilidade se transforma em relevância cultural, papel pedagógico, formação humanística, fator determinante na instauração de valores culturais, elemento construtor da cidadania etc.

O pensar filosófico é uma modalidade do desejo (que os gregos chamavam de Éros) e, enquanto tal, pode e deve ser a expressão de aspirações humanas legítimas, marcadas por interesses variados, em diversos níveis. Na perspectiva contemporânea, não podemos mais simplesmente opor afetividade e pensamento reflexivo, emoção e inteligência; sabemos que o trabalho do pensamento filosófico se enraíza nas estruturas da afetividade humana e se desenvolve junto com elas. Nessa medida, exercer o pensamento filosófico de maneira viva e autêntica é da maior utilidade para os seres humanos. A Filosofia pode propiciar crescimento pessoal e psíquico, em termos de uma maior capacidade de auto-compreensão e expressão e, ainda, levar ao desenvolvimento de uma consciência crítica e autônoma. Enquanto debate racional, ela certamente proporciona crescimento cívico, respeito pelo outro e pela diferença que representa.

Com relação à especificidade do ensino da filosofia, pensamos, ainda, nas habilidades cognitivas, reflexivas e críticas que ele desenvolve no indivíduo. Habilidades que, talvez, pudessem ser adquiridas através de outras disciplinas, mas que, na verdade, devem ser concebidas num viés propriamente filosófico. O amadurecimento da formação nas universidades demonstra que há um modo filosófico próprio de conceber essas habilidades. É preciso estarmos atentos às interfaces, mas também às diferenças que delineiam a especificidade da Filosofia por oposição tanto à Psicologia como à História, por exemplo. Nesse sentido, pensamos que é fundamental que se tente construir as habilidades na convivência com a história dos problemas consagrados pela tradição como sendo filosóficos. Dentro da perspectiva histórico-cultural própria da Filosofia ocidental, o filosofar é um modo de viver e um fazer que, a nosso ver, deve incluir as seguintes atitudes:

Perceber - A atitude filosófica implica em saber acolher e detectar questões no plano do vivido, na cultura; é preciso ser sensível aos acontecimentos, saber discernir diferenças. Trata-se de uma sensibilidade inteligente (ou de uma inteligência sensível). Não basta erudição ou acúmulo de conhecimentos, é preciso acuidade de percepção, um discernimento que se experimenta e que aprende com a experiência. Filosofar implica sempre numa atitude interpretativa, numa capacidade de leitura, tanto de textos convencionalmente filosóficos, como de outros “textos” (objetos, obras de arte, acontecimentos, imagens, eventos e produtos culturais diversos). O perceber filosófico é um modo de estar no mundo, de se ver e ouvir o outro, de captar e decifrar signos, um modo que não parte de uma suposição de saber, mas que é uma aspiração (filo-) que se orienta por uma exigência de significação (-sophia).

Problematizar – A filosofia, em geral, caracteriza-se por sua atitude de questionamento do imediatamente dado, de desconfiança das aparências e de dúvida a respeito do óbvio. Pensar filosoficamente significa questionar, confrontar problemas. Ninguém pensa de graça, nós só pensamos autenticamente se tivermos que enfrentar obstáculos: em filosofia, o impasse é condição para a passagem.

Refletir – Mas, em última análise, não basta pensar; é preciso exercer um pensar que envolva o sujeito, que volte-se sobre aquele que pensa. Nesse sentido, o pensar filosófico parte do sujeito, encontra-se com o objeto e volta-se novamente sobre o sujeito; esse percurso reflexivo, portanto, é próprio de uma tomada de consciência que vem a posteriori, de um saber crepuscular ou que acontece no depois. Nesse sentido, o pensar filosófico é especular, é implicação do sujeito no problema a ser pensado.

Conceituar - Já desde os antigos, pensar filosoficamente implica em ser poeta, no sentido grego da palavra, ou seja, implica em fabricar, produzir, criar palavras e conceitos; ser capaz de sintetizar a experiência, uma multiplicidade vivida, na direção de uma unificação conceitual. Essa capacidade sintética significa pensar de modo criativo, percebendo e produzindo cultura, inteligência e pensamento.

Argumentar – A capacidade de argumentar é uma habilidade igualmente essencial: o filósofo tem que ser capaz de defender uma posição, atacar ou criticar outras, ou seja, é preciso que ele saiba sustentar com razões a posição que adota; trata-se de justificar coerentemente o conhecimento que se pretende ter; filosofar implica, sempre, em dar razões de si mesmo e de suas tomadas de posição, para si e para o outro, é isso o que lhe confere sua dignidade.